Anulada Lei municipal que diminuía em 580 ha a área protegida na APA Santa Helena

09/07/18 - 23:31

TJMG alega que seria um retrocesso urbanístico-ambiental, questiona a falta de estudos técnicos, entre outros pontos, e diz que a regulamentação deve ser feita por Estado e/ou União

 

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) declarou inconstitucional a Lei Municipal nº 8.217, de 10 de dezembro de 2012, que regulamenta a Área de Proteção Ambiental (APA) Santa Helena. O TJMG atendeu às argumentações apresentadas pelo Ministério Público de Minas Gerais.

 

A primeira, de que o município de Sete Lagoas extrapolou as competências de legislar sobre meio ambiente, infringindo a Constituição Federal e a Constituição do Estado de Minas Gerais.  Também, o fato de que reduziu a área total da APA Santa Helena em 580,58 hectares, fixando a nova extensão em 4.928 hectares. Ainda, por não considerar exigências como a realização de estudos espeleológicos, já que a APA Santa Helena tem cavernas, assim como a elaboração de estudos técnicos sobre o ecossistema e a promoção de audiência pública conforme a legislação federal que dispõe sobre a criação de unidades de conservação ambiental.

 

De acordo com o MPMG, anteriormente à Lei nº 8217/2012 a APA era dividida  em sete zonas de manejo. A partir da lei municipal de 2012, passou a ter apenas três zonas ambientais, com funções e diretrizes menos amplas que as leis anteriores que criaram a APA.

 

“É uma inequívoca violação à  garantia constitucional da proibição do retrocesso urbanístico-ambiental”, assegurou o então procurador-geral  de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais, Carlos André Mariani Bittencourt.

 

Decisão – O Tribunal de Justiça de Minas Gerais recebeu a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.0000.15.055182-8/000 impetrada pelo então procurador-geral  de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais, Carlos André Mariani Bittencourt. Abriu defesa tanto para a Prefeitura de Sete Lagoas quanto para a Câmara Municipal de Sete Lagoas se manifestarem, o que os poderes municipais fizeram.

A tentativa tanto do Executivo Municipal quanto do Legislativo de Sete Lagoas para derrubar a argumentação do Ministério Público foi rejeitada pelo Tribunal de Justiça em 24 de janeiro de 2018. O relator da ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade), desembargador Antônio Carlos Cruvinel, votou favoravelmente ao MPMG. Todos os demais conselheiros também votaram a favor do pedido de liminar para a suspensão da lei municipal nº 8.217/2012. A decisão da Corte foi unânime, mas o caso ainda poderá ser apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

 

Importância – A regulamentação da APA é que dita as regras para garantir a proteção das espécies de matas nativas, de mananciais que servem para abastecer o sistema de água para a população de Sete Lagoas, a proteção de animais que vivem em seu habitat natural e o impedimento de construção civil em terrenos da Serra de Santa Helena.

 

De acordo com a lei federal do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, Área de Proteção Ambiental (APA) é importante para a qualidade de vida e o bem-estar da população e  tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.

 

Na avaliação do pesquisador e professor Walter José Rodrigues Matrangolo, a APA significa, ainda que minimamente, “um instrumento que dá proteção ao território que delimita”, explica. “A Serra tem papel de regulação dos fluxos de umidade na região próxima a ela. Como anteparo, pode direcionar as massas de ar úmido e, com isso, alterar microclimas”, acrescenta Matrangolo.

 

A reportagem do SETE DIAS entrou em contato com o titular da Secretária Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade (SEMAS), Nadab Abelin, mas até o momento aguardamos o posicionamento oficial do órgão sobre a decisão do TJMG.

 

 

 

 

 

APA não consta em relação do Instituto Chico Mendes

O Instituto Chico Mendes de Biodiversidade, órgão do Ministério do Meio Ambiente, relaciona 419 unidades de conservação (UC), mas nenhuma delas é a Área de Proteção Ambiental Santa Helena em Sete Lagoas. A consulta pode ser feita pelo site http://www.icmbio.gov.br.

 

Uma das mais importantes missões do ICMBio é exatamente a criação de unidades de conservação ambiental. De acordo com a Lei Federal do SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), unidade de conservação é o espaço territorial e seus recursos naturais.

 

Na definição da legislação federal, em vigor desde a Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, as unidades de conservação integrantes do SNUC dividem-se em dois grupos, com características específicas: Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso Sustentável.

 

No primeiro grupo estão inseridos Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque Nacional, Monumento Natural e Refúgio da Vida Silvestre. No grupo das Unidades de Uso Sustentável estão a Área de Proteção Ambiental, Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacional, Reserva Extrativista, Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Natural.

 

 

 

 

 

 

 

Entrevista 

Prof. Walter José Rodrigues Matrangolo, pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo

 

SD - Quais são os biomas presentes na APA? Quais são as razões mais importantes para justificar a preservação?

WM - Nosso município detém algumas poucas manchas de vegetação assemelhada à Mata Atlântica. Com predomínio do Cerrado, o que gera uma sobreposição de espécies. Nesses encontros de biomas a biodiversidade, em geral, é maior que nos biomas isolados. Temos, portanto, uma riqueza pouquíssimo conhecida pela academia. No entanto, ainda algumas poucas pessoas que mantiveram a sabedoria do uso das plantas medicinais detêm conhecimentos acerca de parte importante dessa biodiversidade natural. A manutenção dessa biodiversidade permite que esse conhecimento ancestral não se perca. Nela ainda habitam aves migratórias e diversos outros animais que ali encontram alimento e abrigo. Ou seja, um imenso laboratório natural que está sendo desprezado pelo poder público há anos. Essa falta de estudos inviabiliza essa riqueza, o que favorece sua degradação, pois a própria comunidade não dá o valor devido. Um local que tem importante elo com a cultura e o imaginário local, mas que vem sendo tratado com desprezo e até como um ônus pela grande maioria dos gestores públicos.

 

SD -  Sem a APA, como seria Sete Lagoas: recursos hídricos, constituição do solo, conforto ambiental…

Uma das riquezas naturais na região da APA Santa Helena é seu volume de recursos hídricos, visíveis através da água represada em frente ao restaurante do Parque da Cascata (com profundidade que chegaria a 18 m segundo informação circulante quando o restaurante estava em funcionamento) e da cascata que dá nome ao lugar, ponto turístico visitado há décadas na Serra. O primeiro sistema de água encanada de Sete Lagoas, ainda no século passado, teria sido montado na administração do coronel Augusto de Moura (inclusive, parte do encanamento em ferro fundido ainda existiria em alguns pontos da Serra, conforme relatos de moradores mais antigos). 

 

WM - A APA é um instrumento jurídico. Provavelmente, mesmo sendo mínima, a proteção que esse instrumento confere impediu que fosse loteada e, provavelmente, estaria em piores condições de conservação.

 

SD - Como está a APA hoje? Tem os cuidados de que necessita?

WM - Como a maioria das questões ligadas à proteção ambiental, está muito degradada. Queimadas, loteamentos, mineração, motocross, ... Ações de ONGs que melhoraram a proteção (ONG ADESA, p. ex.) foram desestimuladas por gestores anteriores e já não existem mais, que eu tenha conhecimento. O município não tem uma política de Educação Ambiental e a grande maioria da comunidade não dá o devido valor, por falta justamente de uma cultura afirmativa que trate a questão ambiental não como um evento, esporádico, para cumprir tabela, mas como um instrumento de melhoria da comunidade com um todo, que dê valor aos saberes tradicionais importantíssimos (plantas medicinais) e à fauna e flora nativas. O meio econômico depende do meio ecológico, e não o contrário. Esse é um valor a ser construído. Quem sabe, assim, olhando do alto da Serra, teremos mais olhares de cuidado e não de cobiça para as riquezas que aqui temos.

 

 

 

 

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