Caixa preta do sistema de captação de água do Rio das Velhas é aberta

13/09/17 - 08:40

  

Em recente entrevista coletiva o presidente do Serviço Autônomo de Água e Esgoto, Arnaldo Nogueira, gastou boa parte de seu tempo para falar de problemas de todos os tipos encontrados no sistema de captação do Rio das Velhas, um projeto avaliado em mais de R$ 175 milhões inaugurado no ano passado. 

 

As revelações de Arnaldo Nogueira e alguns assessores tiveram como base dois trabalhos: uma auditoria completa da empresa JVA Engenharia Ltda e um relatório técnico elaborado pela Conepp Consultoria Ltda. As investigações criam suspeitas sobre processos licitatórios, mostram mudanças inadequadas no projeto, falhas grotescas que geram prejuízos e ainda a utilização de material de qualidade duvidosa. 

 

Arnaldo Nogueira afirma que diante do desinteresse da empresa Collett & Sons S/A – Engenharia, Comércio e Engenharia em dialogar com o município na busca de soluções, o SAAE está “assumindo de maneira prudente”  a responsabilidade por adequações. “Se este sistema parar de funcionar, vamos ter problemas de abastecimento em diversos bairros”, explica. A obra foi recebida pelo ex-prefeito Marcio Reinaldo (PP) com a promessa de fornecimento de 490 litros de água por segundo, mas este total, mesmo com os atuais investimentos da autarquia, não passa de 250 litros/segundo. 

 

Segundo Arnaldo Nogueira, somente nos últimos meses foi necessário a compra em caráter de urgência de ferramentas (R$120.000,00), peças de reposição (R$300.000,00) e sistema de refrigeração (R$120.000,00) para serem realizadas manutenções para o funcionamento da ETA. Serão necessários ainda recursos na ordem de R$ 2 milhões (válvulas e sistemas elétricos), até outubro, para garantir a produção mínima da estação de água, instalada em Funilândia.

 

O SETE DIAS obteve, com exclusividade os documentos que detalham todo o trabalho de investigação sobre o projeto. Juntos, eles totalizam mais de 200 páginas e nesta reportagem especial vamos traduzir os principais pontos de cada um. 

 

ERRO NO INÍCIO

 

Responsável pela auditoria da JVA, o engenheiro Jairo Batista avalia que o projeto de captação de água do Rio das Velhas nasceu errado. Segundo ele, responsabilidades do projeto básico foram assumidas pela empresa executora, o que não seria legal. “Mesmo com uma empresa contratada para o serviço, o projeto não teve fiscalização adequada”, confirma. 

 

LICITAÇÃO

 

De acordo com um dos relatórios, ficou claro “que o projeto usado como base para a planilha orçamentária da licitação não apresentou as condições necessárias para a definição dos tipos de serviços”. Este pode ser o principal motivo para o acréscimo, considerado absurdo, de investimento na obra. O replanilhamento com acréscimo de itens no contrato inicial com a empreiteira gerou um aumento de 80,26% do valor inicial. Informações da JVA mostram que o contrato licitado foi de R$ 35.623.985,57 e com aditivos passou para R$ 44.264.955,70, mas a necessidade de adequações imprevistas do ponto de vista técnico ganhou mais R$ 28.595.306,13. 

 

imagem

 

 

 

 

imagem

Draga retira areia para que a água seja captada

 

MUDANÇA DE RUMO

A concepção do projeto de captação de água do Rio das Velhas saiu de um estudo elaborado pela empresa SANAG ainda em 2007, no primeiro mandato de Leone Maciel. O trabalho apontava as diretrizes de execução e operação. Porém, duas mudanças promovidas pelas administrações seguintes (Mário Márcio Maroca e Márcio Reinaldo) foram destacadas pela auditoria como altamente negativas. A primeira cita a adutora de mais de 14 quilômetros que deveria ter 700mm de diâmetro e foi construída com 600mm. “É uma mudança que diminuiu a vazão e aumentou o gasto de energia”, explica Jairo Batista.  “Estranhamente diminuíram a vazão, reduzindo em quase 30% a capacidade do sistema. Este é um preço que a população vai pagar a médio prazo”, completa Arnaldo Nogueira. Outra mudança destacada é quanto ao sistema de bombeamento de água bruta no rio. A proposta da SANAG foi orçada em R$ 1.701.664.65, mas a Collett & Sons S/A gastou R$ 6.611.548,62 em um projeto repleto de erros. “Não existe uma justificativa técnica para a mudança desta concepção”, completa Jairo Batista. 

 

BOMBEAMENTO INADEQUADO

 

O projeto da SANAG previa a captação no rio por tomada direta (bombas), tal concepção possibilitaria a variação do nível de tomada de água por meio de ajuste. Porém, o sistema implantado custou R$ 5 milhões a mais do valor previsto e é apontado como inadequado. “Nunca vi isso em minha vida. Cortaram o terreno e colocaram a balsa. Ela desce na areia e é preciso a utilização de draga. Isso é um absurdo que custa cerca de R$ 40 mil por mês”, dispara o engenheiro e auditor Jairo Batista.

 

imagem

 

O PROJETO 

 

As obras de captação e construção da Estação de Tratamento de Água (ETA), em Funilândia, foram inauguradas no dia 17 de junho de 2016 pelo então prefeito Marcio Reinaldo. O projeto iniciado na gestão do então prefeito Leone Maciel (2007), mas as obras de instalação de adutoras começaram  no governo de Mário Márcio Maroca. A maior parte do projeto foi executada na gestão de Márcio Reinaldo como a construção da ETA e do setor de captação de água. 

 

A ETA está situada a 15 km de onde capta água do rio e a outros 13 km de distância de Sete Lagoas. O complexo de tratamento de água ocupa uma área de aproximadamente 4,72 hectares. O sistema foi projetado para transportar 500 litros de água por segundo, o que equivale a 30 mil litros por minuto, mas atualmente opera com a metade de sua capacidade. Em Sete Lagoas, foram construídos ainda 12 reservatórios com capacidade total de 7.250m³.imagem

 

imagem

SEM REGISTROS 

 

A auditoria da JVA aponta que itens importantes para comprovar a perfeita execução de projeto de tamanha magnitude não foram encontrados. Segundo o relatório não existem os seguintes documentos: especificações técnicas de obras e materiais, relatório geotécnico, relatório de ensaios de concreto, diário de obra, anotação de responsabilidade técnica de obras e Serviço (ART) e relatório mensal de andamento da obra.

 

DIFERENÇAS ENTRE PLANILHAS

 

As diferenças entre planilhas contratadas e executadas também são apontadas no relatório. Neste sentido, vários equipamentos e serviços que deveriam ser contemplados no projeto não foram realizados de acordo com investigação especializada. 

 

INACABA DA E MAL FEITA

 

O presidente do SAAE, Arnaldo Nogueira, classificou a obra de captação de água do Rio das Velhas como “inacabada e mal feita”. Sua tese é baseada em várias páginas dos dois relatórios. Os erros apontados vão desde a instalação das adutoras até diversos pontos da ETA. “Quanto às adutoras as empreiteiras ficaram com o filé e agora o SAAE fica com a parte mais difícil que são as correções”, disse. Os documentos mostram que na obra faltaram diversos itens básicos, a parte elétrica não atende a legislação, caixas de comando foram instaladas em locais inadequados e ainda faltam urbanização e aspectos básicos para a segurança dos trabalhadores. 

 

imagem

Caixa de descarga com vazamento,  falta de dreno e esgotamento

 

 

RISCO AMBIENTAL

 

Tanto a auditoria da JVA quanto o relatório técnico da Conepp destacam o risco ambiental provocado pela destinação final do lodo, com metal pesado, gerado no tratamento da água bruta. Segundo os relatórios o destino deveria ser uma Unidade de Tratamento de Resíduo (UTR), mas está sendo jogado em lagoas que não atendem à legislação ambiental. “O meio ambiente não foi respeitado nesta obra”, crava Jairo Batista. 

 

 

imagem

 

FALHAS APONTADAS 

 

Falta de ancoragem em diversos pontos, ausência de sistema de refrigeração em salas de comando, cabos amarrados de maneira improvisada, problemas com drenagem e vazamentos diversos são apontados no relatório. 

 

EQUIPAMENTOS USADOS 

 

Existe a suspeita de que vários equipamentos utilizados na ETA sejam inadequados e até recondicionados (usados e recuperados). Esta possibilidade ganha força já que a empresa Collett & Sons S/A se recusa a apresentar notas fiscais que comprovem a aquisição de equipamentos novos. “Sem acesso a estas notas não posso afirmar que os equipamentos utilizados são adequados”, comenta o engenheiro Jairo Batista. “Já notificamos administrativamente a empresa várias vezes para a entrega dessas notas. Isso deve ocorrer para que os equipamentos sejam agregados ao patrimônio do SAAE. Se não houvesse este receio, a situação já estaria resolvida”, explica Geraldo Donizete de Carvalho, diretor Administrativo e Financeiro do SAAE. 

 

imagem

 

O QUE DIZEM AS PARTES

 

O SETE DIAS entrou em contato com o ex-prefeito Marcio Reinaldo, que atualmente mora em Brasília. Ele considerou o trabalho de auditoria como “uma peça política” do atual governo. Mesmo assim ele contesta as irregularidades apontadas afirmando que passou por todas as fiscalizações. “Foi uma obra acompanhada de perto pelo BNDES. Estas atitudes são para provocar desgaste político”, comentou. Marcio Reinaldo ainda pautou uma entrevista do SETE DIAS com Marcos Joaquim Matoso, ex-presidente do SAAE em sua gestão. “O Matoso pode esclarecer qualquer dúvida sobre a obra”, emendou. Ele será procurado pela reportagem. 

O também ex-prefeito Mário Márcio Maroca também revela tranquilidade quanto à participação de seu governo no projeto que, principalmente, tratou a construção da rede de adutoras. Ele também será procurado para uma entrevista. 

 

Renato Alexandre

 

Veja Mais