Entrevista: Marco Falcone, da Falke Bier - O prazer da cerveja transformado em um novo e grande negócio

26/10/16 - 11:20

Marco Falcone começou a produzir cerveja por diversão e hoje é um dos mestres cervejeiros mais respeitados do Brasil e do continente. Requisitado como jurado em incontáveis concursos em várias partes do mundo, estaria na Oktobersete, em Sete Lagoas, mas uma visitação previamente agendada a tradicionais produtores da Bélgica, Alemanha, Reino Unido e Itália o obrigou a telefonar ao Daniel Lanza, um dos idealizadores da festa sete-lagoana, para justificar a ausência, com a promessa de uma visita à cidade ainda este ano.

 

Ele conversou com o SETE DIAS sobre o crescente movimento das cervejas artesanais no país e sobre a criação dele, a Falke Bier, listada entre as melhores em todas as publicações especializadas no assunto.

 

Como você avalia o movimento em torno das cervejas artesanais em Minas e no Brasil?

 

Falcone: Estamos em um momento único. Na Europa, quando as grandes cervejarias aniquilaram as pequenas, nasceu ao final dos anos 70 um movimento que foi nominado "The Craft Beer Renaissance" onde as pequenas ressurgiram, resgatando a tradição das artesanais. Na época, nos Estados Unidos, sobressaíam apenas três grandes cervejarias. Nos anos 1980 surgiu o movimento "The Microbrewery Revolution", onde as micro se expandiram virulentamente ao ponto de representarem hoje 10% dos 23 bilhões de litros fabricados naquele país.

 

No Brasil foi uma “revolução”?

 

Aqui não podemos falar em renascimento, ou em revolução, já que nunca tivemos tradição. Nossa indústria cervejeira sempre foi muito pouco expressiva, sempre focada em cervejas industriais (clara e escura). Mas podemos falar em surgimento.

 

Como foi este “surgimento”?

 

Nos anos 1990 nasceram algumas cervejarias artesanais; o que chamamos de “1ª Onda”, em que estas empresas tentaram reproduzir cervejas industriais tradicionais, mas não provocaram grandes impactos no cenário. No início dos anos 2000, veio a “2ª Onda”, quando as artesanais trouxeram novas receitas, recriaram estilos das três grandes escolas cervejeiras (Alemanha, Bélgica e Inglaterra), inovando em ingredientes locais, sensações que transformam a cerveja em um produto refinado, pareado com a gastronomia, criando uma multidão de aficionados e amantes. Isso sem falar nos diversos eventos de cervejas artesanais.

 

Eventos como este é que alavancam o setor?

 

Há que se ressaltar a proliferação de cursos, concursos, palestras, degustações. Belo Horizonte abriga hoje, por exemplo, um dos maiores cursos de formação de profissionais de serviços de cerveja do país, que é a Academia Sommelier de Cerveja, que forma a cada semestre 40 alunos, estando hoje em sua 10ª turma.

 

Como você se tornou um cervejeiro?

 

Comecei fabricando cerveja na panela em 1988, aos 25 anos, com um professor que dava curso em BH. Era o cara que tinha a matéria prima e quando parou de fornecer, em 1989, não pude continuar. Em 2000 fui para a Europa a trabalho e me reencontrei com a cerveja artesanal. Aquele cenário europeu efervescente me encantou profundamente, estava vivenciando um renascimento da cultura responsável pela civilização ocidental. Durante os três anos seguintes fui à Europa e presenciei a cerveja se espalhando. Vi festivais incríveis, feiras, encontros e vislumbrei isto acontecendo no Brasil.

 

E como surgiu a Falke Bier?

 

Em 2004 fundei com meus irmãos Ronaldo e Juliana, a Falke Bier. No início quase desanimei, pelo fato de não ter capacidade financeira de fazer face às práticas comuns das cervejarias “main stream”, que fornecem mundos e fundos aos pontos de venda, subsidiam gôndolas de supermercados e monopolizam eventos. Concluímos então que nossa saída tinha que estar, além da qualidade do produto, na inovação. E entendemos que a inovação estaria na formação de cultura.

 

Qual foi o passo seguinte?

 

Prontamente começamos a aplicar a ideia: localizamos e centralizamos diversos "curiosos" com este novo mundo, levamos centenas de pessoas anualmente até a Falke, criamos ambientes de cultura cervejeira, como o saudoso bar Frei Tuck Slow Beer. Promovemos cursos, concursos, palestras, confrarias, harmonizações, fundamos Acerva’s (Associações de Cervejeiros Artesanais) em todo o país e demos início à feira Brasil Brau, em São Paulo. 

 

O setor tem entidades oficiais de apoio?

 

Sim, o Sindbebidas (Sindicato das Indústrias de Cerveja de Minas Gerais)/FIEMG, do qual fui também o primeiro associado, e através dele organizamos o primeiro festival de cervejas artesanais de Minas e um dos primeiros do país, o Minas Bier Fest em 2008 (com o Chico Maia na organização). Muitos outros eventos cervejeiros se sucederam, como o Caraça Beer Fest, que virou anual, o Uaiktober Fest, em Nova Lima, entre outros. Festivais surgiram também por todo o país.

 

Você acreditava que chegaríamos a esta "febre" algum dia?

 

Respondo com a frase de um amigo mestre cervejeiro americano que levei ao Experimente em agosto do ano passado, ao ver 25 cervejarias na praça, 15 restaurantes, artesanato da melhor qualidade, bandas de rock e jazz:

__ Falcone, este encontro acontece todo ano?

__ Não! Todo mês, respondi.

Portanto, não foi um sonho, foi uma construção. Hoje é comum encontrar pessoas e ouvir a seguinte frase: “todo mundo está fazendo cerveja”.

 

Você compararia a produção mineira em geral com a de algum país?

 

Até hoje a imprensa especializada nomina Minas Gerais como "A Bélgica Brasileira", pela reprodução de estilos de cervejas belgas e pela criatividade no uso de especiarias. Hoje posso dizer que Minas reproduz todas as tendências de cervejas inovadoras do planeta.

 

É possível agendar visitas guiadas à Falke?

 

É sim, um pouco difícil pelo sufoco de minha agenda. E-mail para marco@falkebier.com.br

 

O setor convive bem com as grandes marcas industriais ou há uma guerra surda entre vocês?

 

Tenho certeza que nosso movimento fez nascer um novo público consumidor, um novo mercado, e é normal que as grandes cervejarias queiram pegar uma carona nesta via que já está criada e pavimentada. Existe uma instabilidade no setor, com a incógnita das verdadeiras intenções das grandes. Fato é que já foram notadas ações de comercialização de cervejas a preços inferiores ao que podem custar.

 

Qual percentual do mercado você acha que as especiais vão alcançar no Brasil?

 

Nosso benchmark é com o modelo norte americano, apesar da defasagem de 15 anos. Não chegamos ainda a 1% do mercado brasileiro, ao passo que nos Estados Unidos já chegaram a 10%. Me dou por satisfeito se alcançarmos (o setor) 3% no próximos 5 anos.

 

Chico Maia

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