“Sou uma grande zebra na política”

17/10/17 - 09:29

Primeiro vereador assumidamente LGBT de Sete Lagoas, Rodrigo Braga (PV) é professor de Filosofia da rede estadual há 14 anos. Eleito com 1.192 votos em sua primeira eleição, em 2016, ele conta que nunca pensou em ser vereador. Apesar de gay, alega que não foi eleito pela categoria. “Tive mais de 900 votos nos bairros Santo Antônio, Santa Rosa e Catarina”, afirma. Na semana em que se envolveu em uma polêmica com o Anteprojeto de Lei 285/2017, ele falou ao SETE DIAS. Um áudio gravado por um vereador circulou por diversos grupos de WhatsApp condenando o APL, alegando tratar-se de “orientação sexual”. “O projeto trata de respeito à diversidade”, defende-se.

 

Candidatura

Eu, Fabiano Santana e Bruno Policarpo tínhamos um projeto social apenas no papel, chamado Projeto Superar. Queríamos qualificar profissionalmente as pessoas dos bairros Santo Antônio, Santa Rosa e Catarina, não só para o mercado de trabalho, mas para empreender também. Vimos que seria preciso ter alguém na política para viabilizar o projeto. Fizemos uma votação entre nós três e os dois votaram em mim. Procurei alguns partidos e o Renato Gomes me acolheu. Me filiei ao PV no último dia do prazo, em abril. Reunimos 70 famílias do bairro e perguntamos se teríamos o apoio deles para serem nossos multiplicadores.

 

Milton Saraiva

Fui seminarista e, quando terminava a graduação em Filosofia, dei uma palestra sobre Nossa Senhora em um centro comunitário. Milton Saraiva estava lá. Eu morava em Contagem. Quando terminei a palestra ele me convidou para trabalhar com ele. Fui assessor do Milton Saraiva de 2006 a 2008. Depois, fui instrutor de cursos profissionalizantes, trabalhei por dez anos com cerimonial de casamentos e formaturas.

 

Zebra

Sou uma grande “zebra” na política. Fui cofundador da ONG Mudança Já junto com o Claudinei Dias e o deputado federal Miguel Correa Jr. O bairro todo já me conhecia. Aí montei uma equipe. Marli de Luquinha tinha votos na Catarina, Magela Martins no Santo Antônio e Santa Rosa, e a família do Beto do Açougue é do Santo Antônio. Tive quase 900 votos desses bairros. Não procurei nenhum tipo de grupo LGBT ou defendi uma bandeira, nunca fui militante. Não tinha tempo para me dedicar, mesmo sendo gay. Eu tenho um trabalho social, independentemente de grupos.

 

Política

Quem tem ilusão de que a política dá dinheiro, só para quem se corrompe. Eu ganho o mesmo hoje do que ganhava dando aula com dois cargos no Estado, com cerimonial de casamentos e formaturas, e, hoje, acabo gastando mais, pois pessoas que não me procuravam antes hoje me procuram pedindo ajuda e tenho certa dificuldade em dizer não. Tenho que tirar do meu salário se quiser ajudar alguém. Mas me adaptei muito rápido. Fiscalizar é mais simples hoje porque você não precisa estar pessoalmente em certos locais para isso. Eu enfrento alguns problemas de filosofia. Por exemplo, não sou o tipo de pessoa que vê uma matéria sobre mim num jornal e finge que não está acontecendo nada. 

 

Polêmicas

No início do ano um jornal publicou uma matéria intitulada “Farra com dinheiro público”, depois teve a audiência do Uber e agora esse Anteprojeto 285. Em janeiro era recesso parlamentar, mas trabalhamos janeiro inteiro. Tivemos que equipar o gabinete com impressora, computador, papel. A verba na época era R$ 8.500 e eu gastei R$ 8.940. O jornal colocou de manchete “Rodrigo e Beto do Açougue gastam R$ 17 mil”. Somou as duas verbas. As pessoas entendem o que está escrito. A matéria não explicou que, o que você gasta a mais, paga do seu bolso. Foi politicagem. Na época fui à Musirama, me expliquei e minha comunidade me conhece. Não tenho problema com mídia nenhuma, mas as pessoas hoje, ao invés de virem no gabinete, como o Sete Dias está fazendo, preferem manipular as informações e publicam de qualquer jeito.

 

Igreja

Depois do Papa Francisco, mudou muito. As pessoas lidam com os homossexuais naturalmente. Nós estamos nos coros das igrejas, nas composições gospel, somos dizimistas e pagamos impostos. Eu não tenho que pensar na minha religião quando estou votando as matérias, mas sim no bem-estar social. O movimento religioso me conhece e tem acesso ao meu trabalho. Sou católico praticante. Usam levítico para nos condenar, mas a bíblia diz “não roubarás”, “não mentirás”, “não vestir túnica com mais de dois fios”, “não aparar a barba”, “não comer carne de porco”. Se for seguir a bíblia, vamos segui-la inteira, não somente a parte que convém. As pessoas evoluídas na fé entendem perfeitamente que Jesus veio para as minorias. Ele não tinha líderes religiosos como apóstolos, mas sim pessoas simples. 

 

Projeto 285

O projeto que foi apresentado não trata da questão da orientação sexual, mas sim da diversidade como um todo: raça, etnia, classe social. Ele foi interpretado como LGBT por pessoas que não leram o projeto. Então podemos respeitar as pessoas pela cor, raça, etnia e classe social, mas, pela orientação sexual, não? As escolas já trabalham essa pauta, mas queríamos intensificar o tema condensando atividades durante uma semana. Retirei de pauta porque os vereadores Gislene e Renato Gomes pediram para conversar melhor sobre ele. Teve uma mobilização, gente com cartazes. Foi ótimo que pude me explicar para eles perceberem que a informação foi manipulada e deturpada por pura maldade. Só citaram meu nome, mas o projeto também leva a assinatura de Dr. Ronaldo João. O interesse da pessoa foi tentar me queimar com os cristãos, mas os padres são todos meus amigos. O vereador que gravou esse áudio disse que me chamou para conversar várias vezes. Mentira. E mentir é pecado. 

 

Pautas LGBT

Acredito que a gente nunca perde. Ou a gente ganha ou a gente aprende. Para os projetos LGBT que virão para a pauta, vou propor audiências públicas para que as partes se manifestem. O jogo é pesado, mas os grupos terão a oportunidade de se manifestar. Só de colocar em pauta, já é uma vitória. Vamos discutir com os movimentos, as igrejas e todos terão direito a voz. O movimento LGBT apoiava outros vereadores como Dalton Andrade e Gilson Liboreiro. Mas acho que devemos ter representatividade sim, já passou da hora. Nem vejo mais os LGBTs como minoria, pois já ocupamos grandes espaços. São pessoas extremamente criativas, competentes em vários aspectos. Vamos, agora, em busca de articulação política.

 

Nas escolas

Sou contra o ensino de sexualidade para crianças. A escola existe para passar a bagagem intelectual e aguçar o senso crítico dos alunos. As escolas vêm sendo muito estigmatizadas. Tudo é culpa delas: se a criança é mal educada, não tem higiene, é insubordinada, tudo é culpa da escola. Eu, como professor, não tenho interesse nenhum em doutrinar ou ser responsável pela sexualidade de alguém. É muito show para pouca coisa. É precoce para a criança, o mundo já é muito erotizado. Dentro dos lares, em qualquer festinha, as crianças dançam até o chão. Alguns programas de TV têm classificação de 14 anos. Se os pais deixam o filho menor ver, os culpados são eles.

 

Extremos

Tenho alguma dificuldade com as ideias do deputado federal Jean Wllys. São Tomás de Aquino dizia que a virtude está no meio. Tenho medo de tudo o que é excessivo. Sou muito do equilíbrio, da moderação. Acredito que o Jean Willys é inteligente, mas radical e isso o iguala aos fundamentalistas tradicionais. Eu consigo dialogar perfeitamente com o pastor Alcides, por exemplo, um homem de uma nobreza enorme. Enquanto houver pessoas radicais, as coisas não fluem e os projetos não andam. Já Fernando Holliday (negro, gay e integrante do movimento de direita MBL) entrou em contato comigo quando eu estava em São Paulo. Ele viu no meu Facebook um post em que eu era contra a reforma da previdência. Então me mandou mensagem cancelando o encontro alegando que pensávamos diferente e que, diante disso, não havia porque nos reunirmos. Se, para eu poder conversar,eu tiver que concordar com tudo, realmente não precisamos conversar. Radicalismo promove guerras, divisão, e o Papa Francisco fala isso o tempo inteiro: é preciso dialogar. 

 

Nota

É 10. Não vou ser humilde com relação a isso porque eu sei o peso do meu trabalho e o que eu carrego no dia a dia. Temos um projeto que no primeiro semestre atendeu a 800 alunos e hoje atende a mais 800 com todo tipo de curso profissionalizante e presencial que você puder imaginar. Quando não estou aqui na Câmara, atendo às pessoas da minha comunidade lá no meu bairro.  

 

Futuro

Na minha vida nunca trabalhei com planos. Deus tem um plano na minha vida e as coisas acontecem naturalmente. Quando me candidatei pedi uma resposta de Deus e ele me deu. Não sei se volto a me candidatar. Se fosse hoje, não me candidataria. As pessoas que são honestas vão ter muita dificuldade de permanecer na política no atual momento, não por serem corrompidas, mas porque a sociedade subjuga tanto que os honestos não precisam disso. Eu sofro com isso, mas tem gente que não sofre porque não está “nem aí”. Minha família mesmo fala que eu não preciso disso. Mas é porque não vejo a política como carreira, mas sim como missão.

 

Marcelo Sander

Veja Mais