Respeitem os Warao - Quem são os indígenas venezuelanos que estão em Sete Lagoas

09/06/21 - 12:57

Márcia Raposo
Jornalista e ativista em direitos humanos

Desde 2018, milhares de venezuelanos atravessaram a fronteira para o Brasil. Viveram em condições degradantes e sub-humanas. Ainda vivem. E agora chegaram em Sete Lagoas. Mas quem são essas famílias que têm sido vistas em vários locais da cidade, qual a sua cultura, por que estão aqui e por que estão sempre juntas, incluindo crianças? Elas são o povo  Warao, ou “povo da canoa”, indígenas que habitavam o delta do rio Orinoco, no estado Delta Amacuro e regiões adjacentes dos estados Bolívar e Sucre, na Venezuela. São um povo sem pátria e sem lar.

 

imagem
Warao, "o povo da canoa". Foto: Unicamp
São, portanto, diferenciados em seu modo de vida, em relação a nós, não-índios. Não comem nossa comida, não vivem fechados em casas, não têm endereço fixo. Estão hospedados em uma pensão da cidade e saem todos os dias para os sinais de trânsito, principalmente, para fazerem a “coleta”. Não fazem mendicância nem são pessoas perigosas que ameacem a segurança de qualquer pessoa. São naturalmente arredios às abordagens, não só pela diferença cultural, mas porque não falam nossa língua. 

No habitat natural dos warao, a coleta de frutos e pequenos animais é feita pelas mulheres e crianças, que também produzem, artesanalmente, cestos e roupas. Sem poderem manter essa cultura na vivência urbana, eles adaptaram a coleta para a arrecadação de dinheiro. 

É com o olhar sobre as características especiais dos warao e com a compreensão de sua migração que a Prefeitura de Sete Lagoas precisa enxergá-los e abordá-los. As aproximações, feitas até agora, não deram resultado, por óbvio. E até deixaram as famílias assustadas e ainda mais desconfiadas de qualquer contato. Nenhum intérprete da língua espanhola acompanhou as ações do poder público. Na terça-feira, foram ameaçados de terem as crianças – são 17 - retiradas de seu convívio uma vez que, ao estarem com elas nos locais de “coleta”, estão descumprindo o Estatuto da Criança e do Adolescente. 
 

imagem
Abordagem foi realizada pela Prefeitura, mas sem sucesso
Dois líderes foram levados à delegacia policial. Mas se chegou a um acordo de se manter as crianças com suas mães. O Padre Warlem, da Diocese de Sete Lagoas, esteve junto, acompanhado de um advogado, para ser “voz” dos indígenas. Ele tem sido o contato da Missão Jesuítica que, em Minas Gerais, acolheu venezuelanos, dentro de um programa coordenado pela Comissão Estadual de Apoio a Migrantes e Refugiados. 

Ele explica que este grupo que está na cidade veio de Montes Claros, onde existe um espaço organizado de acolhimento de venezuelanos. “Os indígenas vivem em trânsito. Adquiriram o costume de irem para espaços urbanos desde final da década de 60, quando houve o represamento do rio de onde retiravam seu sustento”, informa Padre Warlem. A situação se intensificou com o caos vivido pelo País, com a migração em massa para o Brasil. 

Segundo o padre, em razão desse costume adquirido não se sabe por quanto tempo ficarão na cidade. “O respeito a eles é necessário e também a conquista da confiança”, acrescenta. O retorno deles ao habitat natural – no caso, agora, em Montes Claros – deve ocorrer naturalmente, mas não se sabe quando isso acontecerá. 

Sobre informações divulgadas de que os indígenas estão jogando no lixo doações que recebem, também há justificativa cultural. O hábito alimentar deles vem da terra, como inhame e mandioca, e não comem carne de boi nem de porco. Também não comem feijão e estão conhecendo o arroz e o macarrão, que têm comido. Também não bebem leite. Se tomam, têm problemas intestinais.

Uma comissão formada na cidade está buscando uma solução e fará contato com a Secretaria de Assistência Social, de forma a se respeitar os hábitos culturais e manter a dignidade humana do grupo. De acordo com informações publicadas no site Conjur – Consultor Jurídico, “os indígenas warao representam um desafio jurídico, sociológico e político. Isto porque transcendem a condição imigrante e demandam proteção jurídica específica como indígenas”.

Veja Mais