Pesquisadores apontam complicações climáticas com ações humanas

30/09/21 - 14:11

Pesquisadores da Embrapa Milho e Sorgo, Walter José Rodrigues Matrangolo e Daniel Pereira Guimarães (dir.)
Pesquisadores da Embrapa Milho e Sorgo, Walter José Rodrigues Matrangolo e Daniel Pereira Guimarães (dir.)

Os pesquisadores da Embrapa Milho e Sorgo, Daniel Pereira Guimarães e Walter José Rodrigues Matrangolo, escreveram artigo exclusivo para o SETE DIAS (veja abaixo) onde explicam com detalhes como as ações humanas vêm interferindo drasticamente no clima do planeta. “Os resultados são evidenciados constantemente e exigem medidas urgentes para conter a aceleração do aquecimento global e as mudanças climáticas. As estiagens de 2014-2015 e a situação crítica de disponibilidade hídrica que estamos enfrentando com as chuvas escassas e irregulares nos últimos três anos são exemplos claros dos riscos que estamos correndo”, traz a publicação. 

Veja na íntegra:

AS COMPLICAÇÕES DO CLIMA

Autores:
Daniel Pereira Guimarães e Walter José Rodrigues Matrangolo
Pesquisadores da Embrapa Milho e Sorgo 
 

O último relatório da ONU não deixa mais nenhuma margem de dúvidas sobre os impactos das ações humanas sobre o clima do planeta. Os resultados são evidenciados constantemente e exigem medidas urgentes para conter a aceleração do aquecimento global e as mudanças climáticas. As estiagens de 2014-2015 e a situação crítica de disponibilidade hídrica que estamos enfrentando com as chuvas escassas e irregulares nos últimos três anos são exemplos claros dos riscos que estamos correndo. As nuvens de poeira que atingiram cidades da região de Ribeirão Preto e do Triângulo Mineiro estão associadas às condições de solos áridos e excesso de queimadas. As queimadas que estão causando perdas de biodiversidade no Pantanal Mato-grossense estão aumentando em todo o planeta e afetam a Europa, América do Norte, Austrália e até a gelada região da Sibéria, onde as altíssimas temperaturas estão provocando o degelo e a liberação do gás metano aprisionado há milhões de anos no permafrost, que irá provocar aumentos ainda maiores na temperatura do planeta.

Na estiagem de 2014, a represa de Três Marias teve o menor volume de água armazenada de sua história e pela primeira vez presenciamos a seca da nascente do Rio São Francisco. No ano passado, tivemos as maiores temperaturas já registradas na região Centro-Oeste. Neste ano, a situação tem sido mais dramática, pois estamos enfrentando a maior seca dos últimos 90 anos e instabilidades climáticas com eventos extremos. A temperatura de 49,6 °C ocorrida no Canadá é 5 graus maior que as maiores temperaturas já registradas no Brasil, onde o clima tropical favorece a ocorrência de temperaturas mais elevadas. A ocorrência de incêndios tem se tornado cada vez mais frequente. As perdas de produtividade na segunda safra agrícola causaram prejuízos de bilhões de dólares em exportações, aumento nos preços e insegurança alimentar no mercado interno. A estiagem e as geadas nas regiões cafeeiras de Minas Gerais e São Paulo afetaram também a produtividade das lavouras de citros e pastagens e causaram alta mortalidade de árvores em matas ciliares, facilitando a propagação de incêndios em plantas de baixa resistência às queimadas, resultando em perdas de biodiversidade e proteção dos recursos hídricos. A chegada das primeiras frentes de chuva e o choque de massas de alta e baixa pressão têm acarretado fortes chuvas de granizo e maiores danos na lavoura cafeeira, quarta maior atividade agrícola do País em termos econômicos. Temos ainda os impactos nos canaviais, reduzindo a produção nacional de açúcar, álcool e geração de energia térmica a partir do bagaço de cana. A situação crítica da disponibilidade hídrica armazenada nos nossos solos indica que o volume de água armazenada nos reservatórios das usinas hidrelétricas poderá não ser recuperado se a próxima estação chuvosa não for bem acima da média histórica. A tudo isso se soma à confirmação da ocorrência do fenômeno La Niña nessa temporada de chuvas que está se iniciando. O resfriamento das águas do Oceano Pacífico reduz os processos evaporativos e tende a provocar chuvas e temperaturas abaixo da média nas regiões meridionais do Brasil (Sul e parte do Sudeste e Centro-Oeste) e maior incidência de precipitação nas partes meridionais (Nordeste e Amazônia). Foi exatamente isso que ocorreu na estação chuvosa de 2020/2021, com a estiagem e as baixas temperaturas nas referidas áreas e as enchentes históricas do Rio Negro, que alagaram a cidade de Manaus. 
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Focos de calor no Brasil nos dias 26 e 27 de setembro de 2021. Fonte: FIRMS/NASA

A reversão dessas tendências passa obrigatoriamente pela educação ambiental e pelo comprometimento socioambiental. Os investimentos na produção de energia limpa (biocombustíveis, energia solar e eólica), carros elétricos e motores mais eficientes no consumo de energia indicam as tendências futuras. A contribuição individual é fundamental para atingir esses objetivos. A prática da agricultura baseada em bioinsumos, proteção do solo, eliminação das queimadas e proteção da cobertura florestal é a grande contribuição do setor rural. Na área urbana, medidas simples, como a coleta seletiva do lixo e a opção por produtos biodegradáveis, trazem grandes benefícios para o meio ambiente. Atitudes coletivas de separação de lixos tóxicos facilitam a reciclagem e permitem a conversão do lixo orgânico em compostagem. Essa luta é de todos. 
A clara exposição da grave situação atual é fundamental para o enfrentamento dos eventos extremos. A comunicação é parte de um processo complexo e essencial para que a transição seja menos acanhada. É necessário informar a situação e como chegamos até aqui, para que a comunidade como um todo reconheça o porquê da situação e contribua, na prática, com a transição. Em direção a uma sociedade onde a qualidade tenha predomínio sobre a quantidade, os sistemas ecológicos, que suportam os sistemas econômicos, serão considerados antes das tomadas de decisão de intervenções antrópicas.

Jean-Baptiste Say, no século 17, considerava que as riquezas naturais eram inesgotáveis e, portanto, não seriam objeto de estudo da economia. Um ponto de vista que aparentemente mantém-se até hoje. Não por falta de avanço no conhecimento científico, as decisões ainda são baseadas pela perspectiva medieval de Say. No entanto, no século 19, Haeckel, naturalista alemão que cunhou o termo ecologia, já considerava a complexidade dos sistemas vivos e sua interdependência, ao dizer que “o conhecimento biológico nunca é completo quando o organismo é estudado isoladamente”. 

Pois não é assim todo ano? Chegam as chuvas e o ciclo do pernilongo da dengue, que não foi internalizado, não gera ações individuais, e a doença atingirá muitos sem distinção. As águas empoçadas dizem respeito a todos nós. As conexões diretas entre o analfabetismo ecológico e as calamidades coletivas estão por demais explícitas para descartarmos a necessidade de rever nossos padrões civilizatórios.

Um desafio a ser superado está na convergência de interesses. Em geral, em benefício de poucos, a grande maioria sofre com a penúria e os eventos extremos. A paisagem monótona, sem a adoção de tecnologias sustentáveis, não interrompe os fluxos de ar, o que gera correntes que impulsionam nuvens de poeira por quilômetros. Na verdade, melhor chamar nuvem de solo, por sinal fertilíssimo, como no caso ocorrido no final de setembro de 2021, na região de Ribeirão Preto e no Triângulo Mineiro. Uma externalidade previsível e recorrente. Justamente o contrário dos sistemas produtivos sintrópicos, onde as paisagens, assemelhadas às naturais, apresentam-se multifuncionais, produzindo muito mais do que alimento: economizam água ao minimizarem a evapotranspiração, interpõem-se às correntes de ar, fomentam a biodiversidade, demandam mais mão de obra e ampliam a resiliência dos agroecossistemas.

As agriculturas de base ecológica absorvem a energia solar e transformam-na em alimento e biodiversidade, criam ambientes mais resilientes, onde as oscilações térmicas são menores, a água é captada e mantida por mais tempo no sistema, com custos econômicos e ambientais menores. Esses sistemas complexos têm a funcionalidade de gerar alimento e recompor sistemas degradados. Por serem mais intensivos em mão de obra, geram abundância para as pessoas envolvidas e por consequência, para a região.

A transição da paisagem deverá ser precedida pela transição cultural. Enquanto os comitês de bacias e suas instâncias de decisão compartilhada (sociedade civil, Estado e usuários) não tiverem um papel decisivo na gestão dos territórios e das águas, a crise hídrica, por exemplo, continuará a ser tratada como consequência da falta de chuva. É urgente a conscientização ecológica por parte dos gestores, além da adoção de práticas cada vez mais sustentáveis de produção.

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