Crônicas

Menino de rua

06/09/21 - 10:41

Por Élida Gontijo

Élida Gontijo

Quem é aquele menino dormindo na calçada? Seus pés têm a cor da poeira, nunca conheceram sapatos, ninguém sabe quanto calça nem ele mesmo. È um menino sem número, sem certidão de nascimento, sem carteira de identidade só sei que é mais um que vagueia pelas ruas. Tem um olhar triste, já viveu em abrigos , mas preferiu a liberdade das ruas, já lhe disseram que sua mãe era uma viciada, não se lembra dela.

Fica na porta da padaria observando quem entra e sai, muitas vezes pede um pão , outras vezes um trocado para tomar um café, uma água, comer um prato de comida. Alguns o apelidaram de pivete, pra ele não faz diferença, quando passo nossos olhos se encontram, os meus por cima da máscara, os dele libertos de qualquer prisão, pra ele existe um vírus maior: o descaso.

Sempre que passo dou um sorriso debaixo da máscara, penso que dever ter uns 9 anos, mas a dureza da vida deve ter impedido seu crescimento deixando-o tão miúdo. Quando passo sempre fala:

_ Bom dia professora! Boa aula ! 

Respondo debaixo da máscara não sei se ele entende, meus olhos sorriem ele sorri também, os dentes estão cheio de buracos, alguns bem pretos , mas tem um sorriso bonito mesmo assim, guarda a pureza de criança. Tem um olhar de filho quando quer colo, como mãe sinto tocada, vontade de parar, sentar no chão, coloca-lo no colo, deixar que conte toda sua história. Preciso seguir para o trabalho, na escola outras crianças me esperam. Ele nunca está naquele lugar quando volto, lamento, pois daria para saber um pouco mais sobre sua vida. Uma manhã resolvi perguntar por onde andava na hora que eu voltava,  disse que menino de rua não tem ponto certo , cada dia vai para um lugar, só no início da manhã ficava ali para ganhar o pão , o dono da padaria gostava dele.

Já tem uns dias que passo e não o vejo, sinto falta do seu olhar, do bom dia desejando boas aulas, perguntei por ele ninguém soube dizer, sinto uma sensação de vazio, tristeza, mundo muito desigual. Resolvo perguntar ao dono da padaria e ele alegra meu dia, diz que foi encaminhado para um abrigo e foi adotado, soube que está bem , feliz. Resolvo perguntar se sabe o nome dele, me responde : Francisco. Adoro esse nome, nome de Santo, do papa, vou trabalhar sorrindo , pensando que agora aquele menino tem um lar, tem pai, mãe , terá número de sapato , identidade, colo , amor.

Élida Gontijo - Setembro de 2021.

Élida Gontijo

Élida Gontijo