Élida Gontijo - Encontro

07/08/20 - 19:10

Encontro

Esta semana precisei ter um encontro com a criança que mora em mim. Sim, cada um de nós traz a sua criança, uns esquecem que ela existe, se sentem adultos e independentes demais, outros pelo contrário guardam o adulto e ficam crianças eternamente. Não cabe a mim julgar, então percebi que precisava desse encontro, não é fácil acontecer, pois a criança fala a verdade que muitas vezes não queremos escutar. A minha criança estava de olho em mim e de vez em quando me dava uns sinais bem suaves para eu perceber que precisava dela. O encontro não aconteceu como todos os de agora , via meet, bem diferente , precisava bastante sensibilidade para perceber o momento exato de dar as mãos a esta criança, olhar nos olhos , sentar frente a frente e bater um delicioso papo.

 

Andava cheia de afazeres, tudo com hora marcada, são profissões diversas: professora, cozinheira, faxineira, crocheteira, rabiscadeira  de palavras e muitas outras. Então percebi o monstro da ansiedade chegando, empurrando meu coração que batia tranquilo, esse monstro adora tirar nossa tranquilidade, mudar os batimentos do nosso coração. Fiquei observando e me perguntando: O que fazer? Mas deixei o agito seguir, mas nada melhor para dar uma freiada que uma visita da tristeza, da decepção, aí sim , tudo ou qualquer um pára. O otimismo viaja, a fé fica um pouco encoberta com a névoa da incerteza. Foi neste momento que a minha criança gritou:

 

_ Oh podemos conversar? Está fugindo por quê? 

 

Não consegui responder, meus olhos despejavam respostas, ela simplesmente me pegou pelas mãos e disse:

 

_ Venha aqui, vamos brincar um pouco, pular amarelinha, brincar de pega -pega, quem sabe suas lágrimas sequem  e dê boas gargalhadas !

 

Senti uma vontade imensa de correr, apesar de toda ferrugem da quarentena, corremos bastante, ela ria do meu desajeito, pernas muito compridas, sempre tendo ela a minha frente. Depois de ficarmos bem cansadas, ela me trouxe um lindo girassol, minha flor predileta. Agradeci, fiquei encantada com a beleza da flor. Ela olhou nos meus olhos bem incisiva e disse:

 

_ Minha amiga, você gosta tanto de girassol, tem um vaso em sua casa, mas não aprendeu as lições que ele ensina, por mais que seja difícil pra ele ,busca sempre o sol , a luminosidade e quando chega à noite fica de frente para seus irmãos buscando um pouco de energia. Espera o amanhecer cheio de luz, calor, gira sempre quando precisa de energia, não se prende a nada que não lhe ofereça luz. O que você está esperando para imitá-lo? Decepções vão existir sempre, pessoas insensíveis também, então gire para outro lado, outras pessoas, mas não perca a sua luz, precisa escrever, levar esperança , já esqueceu sua missão? 

 

Não conseguia falar nada, logo eu tão falante, fiquei caladinha refletindo, era isso que ele queria. Senti o coração acalmar, bater no compasso bem ritmado, abaixei a cabeça, respirei fundo , durante um tempo me mantive assim, de repente escutei:

 

_ Tenho de ir, mas sei que vai ficar bem e cumprir sua missão. Vai girar!

 

Deu um beijo afetuoso em minha face, sem medo nenhum do Coronavírus, levantei-me calmamente daquele lugar em que estava, peguei meu material e fui escrever este texto. Gratidão a minha criança.

 

Élida Gontijo- agosto de 2020.  

 

 

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