Élida Gontijo - Finados

31/10/20 - 09:44

Está chegando o dia 02 de novembro ( finados) , acho que não somos preparados para a morte. Somos apegados em exagero, celebramos demais o nascimento, mas quando alguém parte para a vida eterna como aprendi em minha religião, já temos outra postura bem diferente, uma não aceitação.


Não vou ao cemitério nesse dia, gosto de guardar comigo a imagem dos meus que partiram, de forma alegre, ali numa lápide fria eles já não estão. Desde criança acredito que meus parentes, amigos que já partiram foram todos para o céu, mesmo que alguns tenham passado algum tempo no purgatório. Imagino o céu, logicamente ao meu modo e não quero mudar essa visão, pode ser ingênua, infantil, mas me sinto uma criança feliz com minhas imaginações. Para formar essa visão fui colhendo detalhes, parecendo um mosaico, peguei imagens de jardins de telas famosas, fotos, lugares que passei para serem pano de fundo. Além do jardim maravilhoso, imagino lindas crianças com bochechas bem coradas e de vestes brancas, pezinhos descalços correndo por todo lado, só param quando chega gente nova. Lá todos são novos, não importa a idade cronológica. Há uma parte cheia de bancos que enxergo minha avó Maria Correia ensinando as pessoas rezarem, mesmo que aqui neste plano não tenha aprendido ler, mas aprendeu muito a ouvir. Logo mais a frente tem um galpão enorme onde ficam os músicos, tio Henrique toca cavaquinho e dança folia, está sempre rindo, Pode-se escutar qualquer tipo de música.


Andando mais um pouco, embaixo de uma linda árvore tem uma mesa com folhas , lápis ,caneta, todo material para escrever ,ali ficam os escritores, Rubem Alves coordena a turma, Vinícius com sua calma cria lindos versos falando de amor ,Jorge Amado como bom baiano se segura para não falar uns palavrões. São tantas partes, não há disputa, ali reina a empatia, cada um acrescenta ao outro o que é necessário, respeitando as individualidades. Maria anda devagarinho, observando as mães que chegam ,muitas vezes chega a coloca-las no colo. José se encarrega de receber os pais e assim como sua esposa segue a mesma postura de acolhimento. São Judas anda cansado, são muitos os pedidos recebidos, mais trabalho que ele só Nossa Senhora Aparecida.


Para descrever o paraíso da minha imaginação levaria muito tempo e cansaria a todos, então ele permanece guardadinho na minha cabeça e coração, junto com todos que já partiram. No dia dedicado aos mortos, acendo uma vela em meu oratório e agradeço a todos que já partiram pelo legado que deixaram. Sinto uma saudade que aperta o peito, mas respiro fundo, tenho a sensação que um dos anjos puxa minhas orelhas e outro faz cócegas em meus pés.

Este ano tenho mais parentes para agradecer, partiram dois tios muito queridos, cada um com seus encantamentos: tio Zé Gontijo, muito alegre, bom de papo, inteligente, amoroso ao extremo, quanta gente ajudou aqui na Terra! O melhor jogador de baralho. Tio João partiu esta semana, deixando o coração de todos da família bem apertadinho, penso que ainda está sendo preparado para ala dos músicos, tocadores de viola. Festeiro, alegre, simples, um grande sábio.


Neste ano quero passar o dia de Finados na roça, em contato com a natureza, se der quero plantar, se não der uma árvore, mas pelo menos um vaso para seguir a proposta que achei fantástica da CNBB. Não comprarei flores para sepulturas, elas florescerão futuramente, naquele vaso ou árvore que plantei, voltando toda sua beleza para o céu. Um abraço saudoso a todos que moram no paraíso que criei. 


Élida Gontijo - Novembro de 2020.

 

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