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Homenagem a um grande amigo, à frente do nosso tempo, e que nos deixou, também antes do tempo

23/07/21 - 08:34

Marcinho Vilaça. Foto: Arquivo
Marcinho Vilaça. Foto: Arquivo

Por Chico Maia

Chico Maia

Marcinho Vilaça, que nos nossos tempos de Colégio Dom Silvério eu o chamava de Marcinho “Vidraça”. Tinha outro Marcinho na turma, o “Oreia”, gente boa, que felizmente continua firme e forte entre nós. O Vilaça se foi fisicamente, este mês. Uma grande figura, um gênio. Foi um privilégio conhecer e conviver com ele, apesar de poucos anos, acometido que foi por um problema de saúde

Pedi ao amigo comum, outro companheiro de turma no Dom Silvério, Dalton Andrade, que escrevesse sobre ele. Segue a nossa homenagem, em forma de saborosas lembranças do Marcinho:

 “Soubemos da morte de Marcinho Vilaça. Avisei alguns amigos comuns, como os Tinocos, Serginho Vinseiro e o Chico Maia, já que não tínhamos notícias dele há algum tempo; dificilmente saía de casa, controlado pela esquizofrenia. Era meu vizinho, mas uma cortina de esquecimento já vinha empoeirada. Sabíamos desse moço, do seu espírito genial,  humorístico e criativo. Como isso pode tombar, é inacreditável. Como é de praxe nessas ocasiões derradeiras, andava me lembrando dele e do bonde de distâncias que é viver.

A esquizofrenia foi isolando-o a partir de 1983, anos ainda sonhadores, a aposta na grana não era dominante nas nossas polêmicas, o futuro não era uma pua como hoje. Sua ausência foi desvirtuadora, ações e cobranças sempre nos colocavam num desafio acima, os lugares de ir, as aprontações cotidianas, o apreço a determinados artistas, como Luiz Melodia, sua barbicha adolescente antecipou o músico carioca. Continuaria um líder contra a palidez dessa sociedade impotente e comum. Vilaça, como era conhecido pelos colégios, faria 59 anos no dia 28 de junho último, canceriano do mesmo dia do maluco beleza Raul Seixas. Há uma questão aí. Tínhamos a mesma idade, ele era 15 dias mais novo, nossas mães trabalhavam no mesmo lugar, na escola Presidente Juscelino. Lembro de onde moravam primeiro, em frente ao Colégio Estadual, um pequeno prédio com um apartamento abaixo do nível da rua, um negócio diferente, adaptável. Vinham de Papagaios, exalavam modernidade. Paulo Rodrigues, seu pai, era de SJDR, onde morava minha avó paterna, o que tornava Paulo e meu pai Dario amigos compulsórios, o que na farra daqueles anos 60 e 70, tinha um tom festivo permanente. Ambos foram para o Canaã e nos tornamos vizinhos. Dona Gisele era de Papagaios, um povo moreno bonito, com uns cabelos pretos lisos, Sô Gerci, avô de Marcinho, estava sempre na calçada fumando um cigarro, o tio César, a mesma coisa, era uma cena diária a civilidade polida que a casa exibia. Éramos todos amigos, os irmãos de cada um, todos. Na casa nadávamos no imenso reservatório subterrâneo, lutávamos box, jogávamos xadrez.

Íamos às vezes a Papagaios, a casa na rua Central onde dormíamos, a casa colonial do tio Neném num bairro, as idas a Pitanguy, num casarão colonial de dois andares, que naquela época estava um pouco fora da cidade. Não tínhamos tempo a perder entre tantas coisas, não espelharíamos a cidade tão sem jeito. Marcinho foi ser arquiteto, Paulo, seu pai, era projetista do DNER e o filho puxou-o na capacidade do traço, foi encima. Com ele havia sempre uma máxima, algo diferente a fazer, para viver a juventude do nosso tempo. Com Chico Maia, outra figura jovial, andávamos pelas quebradas fingindo de militares, atravessando córregos pelas árvores, profissionais da bagunça, diversão à toda prova. Marcinho foi quem comprou a primeira bicicleta entre nós, uma Caloi 10, 1979. A vizinhança chegada virou ciclista, pouca gente tinha, de Matozinhos a Cachoeira da Prata estávamos toda semana, pela Embrapa, pelas quebradas todas. Mente e corpo em atividade, tínhamos muitas portas abertas. Com o costume familiar de dormir só depois da sessão coruja, e com as experiências espirituais agudas que tivemos naqueles anos 1980, uma sequência de eventos o levou a um surto paranoico e ao enclausuramento progressivo, fazendo-nos perder uma das mentes mais capazes da nossa geração.

No início dos anos 1970 um disco voador baixou de madrugada no jardim de uma casa recuada da rua Fortaleza, no Canaã. Eu estava na casa de minha avó Edy, vizinha dele. Às 6:30 da manhã ele me chama, subimos correndo à rua, chegando lá, a rua estava lotada, a veraneio prateada da Globo fazia matéria. Marcinho não teve dúvidas, pulou o pequeno muro, eu o segui, preocupado com a nossa ação, olhava ao redor, quando meio sem querer reparei no gramado, o desenho místico da aterrisagem bateu no fundo do cérebro, um semi-círculo com 3 pontas, aqueles rochedos voadores de desenho animado, muito irregular e tribal. Marcinho pegou uma caixa de sapatos e arrancou uma quantidade razoável de grama, para levar pros porquinhos da índia. E aí meu velho, e essa experiência? Um grande e fraterno abraço, você foi outra vez à frente.”

Chico Maia

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