Nossa História

A NOSSA HISTÓRIA: As Poesias de Renê Guimarães!

06/04/24 - 08:00

Por Amauri da Matta

"Naquela noite, para mim voltando, os teus medrosos olhos marejados. “Eu vou partir”, disseste-me chorando, “e serão nossos sonhos malogrados!” Subia a lua, aos céus iluminados, como uma monja, mística rezando. Nós ficamos de súbito, calados, somente ouvindo os corações pulsando. Depois, tomei-te as mãos e com meiguice, beijei-te os dedos com fingida calma: “Adeus” mais branco que o luar, te disse... E nunca mais te vi, mas - oh desvelos! - Puseste aquela noite na minha alma. E todo o seu luar nos meus cabelos! (E O POETA FALOU, Renê Guimarães, “Lembrança”, pág. 82. Belo Horizonte: Editora Lemi, 1994). Essa poesia de Renê Guimarães, de tão linda, fez-se música (01-2019). Já falei sobre o saudoso advogado e poeta em um de meus artigos. Renê nasceu em Santa Luzia (23-05-1904), aqui se casou, constituiu família e residiu até a sua morte (28-06-1966). Ao conhecê-lo, lendo os seus sonetos, encantou-me a beleza de suas poesias. Esse gênero literário – o soneto – estruturado a partir de dois quartetos (quatro versos: quatro linhas) e dois tercetos (três versos: três linhas), foi herdado de Portugal, quando o Brasil ainda era colônia, das obras de Sá de Miranda e Luiz de Camões, que o popularizou. Até hoje se faz presente em nossa literatura.   


Em "Lembrança", Renê Guimarães toca-nos ao recordar a dor da separação. Da amada que, com lágrima nos olhos, e temente à perda de um amor – naquele instante se esvaindo – informa ao ente querido que vai partir, deixando os sonhos, de ambos, frustrados. O sentimento era o de que viviam um amor impossível, como se algo bem maior os impedisse de serem felizes. Um amor tão distante, como a Lua que subia, ao céu iluminado, tal a freira (monja) que, renunciando à vida comum e ao amor, seguia ao convento, para, em regime de clausura, se dedicar inteiramente às questões religiosas. A dor da despedida era tanta, que os dois, num só instante, ficaram calados, como se pudessem ouvir os corações batendo. Ele, por sua vez, não querendo demonstrar o seu sofrimento, num gesto de raro desprendimento, pegou as mãos da amada, beijando-as, como que entendendo que a decisão tomada, e as razões de partir, eram mais fortes que o desejo deles. E, querendo demonstrar toda a calma do mundo, ainda lhe disse “Adeus”, com a clareza da cor do luar. E vendo a Lua subir ao céu, em despedida, o poeta declara nunca mais ter visto a sua amada. Revela, assim, uma grande privação, como se tivessem posto, em sua alma, a escuridão da noite, e sobre os seus cabelos, o peso e o brilho do luar, para que a perda do amor nunca fosse esquecida.  


A separação, a perda de um amor, a dor da partida, o sonho desfeito, o amor impossível, a força do destino, a natureza, a religiosidade, a renúncia, o cavalheirismo, a privação e o misticismo são características do Romantismo (estilo literário), que Renê Guimarães tão bem interpretou, no poema, com um lirismo apaixonante. Entre nós, esse movimento literário foi concebido a partir da chegada da Família Real ao Brasil, quando ocorreu um grande desenvolvimento na então colônia, período ao qual se denominou pré-romantismo (1808-1836), e, depois, consolidou-se (1836-1860), até dar passagem ao Realismo. Foi um momento em que o povo brasileiro descobriu a sua história, que não era aquela contada pelos portugueses, e deu o devido valor às coisas da nossa terra – indígenas, folclore, sertão, etc. – obra de nossa independência. E a poesia, como visto acima, essa arte de tocar os corações com as palavras, pode se desenvolver, na criatividade de nossos artistas, como nos ensina AFRÂNIO COUTINHO: “A partir do conceito de que a poesia se origina no coração, onde reside a suprema fonte, e de que à arte cabe apenas a operação de fazer versos, o Romantismo reduz toda poesia ao lirismo, como a forma natural e primitiva, oriunda da sensibilidade e da imaginação individuais, da paixão e do amor. Poesia tornou-se sinônimo de autoexpressão. Em consequência, as denominações genéricas de poesia, poesia lírica, lirismo, poema, foram substituindo as antigas denominações específicas de ode, elegia, canção, as quais, inclusive, perderam, no dizer de Van Tieghem, seu sentido preciso ou desapareceram de uso, acompanhando o declínio ou a substituição dos gêneros que designavam. Assim, a poesia romântica foi pessoal, intimista e amorosa e explora, ainda, a temática filosófica e religiosa” (Introdução à Literatura no Brasil, pág. 149. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1978). Ah! Como faz bem o romantismo de Renê Guimarães! Nós, os românticos, libertos das amarras dos padrões e regras da poesia clássica, podemos dar asas à imaginação! 

Amauri da Matta

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