Vida noturna retorna em Sete Lagoas, e na região central

Tradicionais casas noturnas, que fazem lembrar as antigas “zonas” boêmias estão vivas na cidade, inclusive nas áreas centrais.

08/06/23 - 09:00

O Rei da Noite, que fica na rua Souza Viana
O Rei da Noite, que fica na rua Souza Viana

Celso Martinelli

Também conhecidas como “casas de de tolerância”, não estão somente na periferia, mas em várias das principais vias do centro. A reportagem do SETE DIAS foi até esses locais e, pelo menos três, não passam despercebidos, sejam por transeuntes ou quem passa de carro ou de dentro dos coletivos: o Rei da Noite (na Rua Souza Viana), a Lótus (na R. Cel. Américo Teixeira Guimarães – bem próxima à rodoviária) e a Luxúria (na Av. Antônio Olinto). Todas no centro, se misturando a outros comércios e o vai e vem de pessoas.

Os estabelecimentos funcionam em imóveis antigos e são tratados como boates. Com poucas luzes, um bar principal e estruturas com pole-dance, além de quartos para os encontros, o número de frequentadores em cada um dos pontos varia entre cinco e dez, mas é impossível chegar a uma conta exata, uma vez que esse total varia de acordo com a demanda. As negociações são feitas à vista, em dinheiro, ou por meio de cartões de débito, dependendo do grau de automação da casa. Só não se aceitam cheques.

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De acordo com o historiador e poeta Gilson Matos, a presença dessas boates em Sete Lagoas não é novidade, mesmo no Centro. “Nos anos 1930, havia uma casa de mulheres ditas "da vida" na rua dr. Pedro Luiz, onde fica hoje uma agência do Banco Itaú, e onde já funcionaram também o Banco do Brasil e o Bemge (Banco do Estado de Minas Gerais). Agora, sobre as boates no centro da cidade, vejo isso sob a ótica da sociologia. O fato é que hoje, pra usar uma expressão do fabuloso memorialista Pedro Nava (que também era médico), está estabelecida uma "fodança geral", referenciou.

Para o historiador, uma coisa é certa: “As pessoas que sobrevivem dessa atividade querem, com certeza, circular por onde há dinheiro e potenciais clientes, né? E a cidade inteira passa pelo centro, certo? A vida está muito erotizada. As redes sociais - não as estou culpando de nada - são facilitadoras. A vida é muito dura. A felicidade, escassa. Então...o tema é vasto”, refletiu Gilson Matos (foto abaixo).

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As histórias de gente que frequentava esses santuários do amor são diversas. “Uma vez, também no século passado, pelos anos 1930, apareceu por aqui um delegado de polícia que queria acabar com essas operárias do amor e andou cometendo umas brabezas com elas. Capitão Pantaleão Nery. Se existe inferno, ele deve estar trabalhando lá em alguma mina de enxofre ou na lenharia”, brincou Gilson.

“E tem também histórias das zonas boêmias do velho Garimpo e do Boa Vista, que eram consideradas chiques e quase que de acesso só pra homens endinheirados. Onde está hoje o Posto da Serra (em frente ao cemitério Santa Luzia) ficava o Castelo de Sonhos. E essas coisas marcam um lugar. Antes era casa de mulheres e agora é posto de combustível, né? Pois não é que os homens continuam indo lá pra trocar o óleo?”, finalizou o historiador.

PENSÃO ASSOMBRADA

Edição do velho jornal Sete Lagoas, de 18 de abril de 1926, noticiou o assassinato de uma prostituta pelo seu ex-amante. O crime aconteceu num dos quartos da Pensão de Rufina Braga, que se localizava na rua dr. Pedro Luiz, no local onde funciona atualmente uma agência do Banco Itaú. Pensão era nome comum para disfarçar casa de "mulheres da vida".

Nessa "pensão" aconteceu, naquela época, um assassinato passional, que escandalizou e assombrou a cidade. Segundo o Arquivo Histórico de Sete Lagoas, de Gilson de Mattos, “um homem, casado, matou uma das mulheres de lá porque ela não queria mais ser sua amante. Matou a facadas. Aquele lugar ficou mal-assombrado até alguns anos atrás. Quando ficava de noite e alguns funcionários permaneciam no Banco (Bemge), ouvia-se gemidos e gritos distantes. Os mais sensitivos chegaram a ver os ectoplasmas da moça e do seu matador/suicida”

“Somos os reis da noite”, afirma gerente da Luxúria

Juninho, mais conhecido como MC Menor da 7 (foto abaixo), tem 23 anos e se identifica como o gerente das boates Luxúria e Rei da Noite, ambas localizadas no Centro. Juntamente com os sócios que preferiu não identificar, eles são os “reis da noite” sete-lagoana.

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“Faz dois anos abrimos as boates na cidade e graças a Deus está indo pra frente. Nossa casa está bombando. Somos os reis da noite, os donos da madrugada. Aqui começa cedo e vai até o outro dia, a coisa não para”, completou MC Menor da 7, que também é rapper.

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A garota de programa de codinome Bárbara, 25 anos, é natural de Belo Horizonte e chegou há pouco mais de um mês em Sete Lagoas, onde se reveza nas duas boates trabalhando. Apesar do pouco tempo, ela considera a clientela local bem “chorona”, quando o assunto é discutir o valor dos encontros sexuais.

“É uma boate muito boa, os sete-lagoanos são educados e gostam desse tipo de ambiente. Somos bem tratadas. Problema, que eles choram muito os valores dos programas, chegam a ser terríveis de tanto que pechincham. Mas a demanda tá ótima, vem desde os mais jovens até os mais experientes”, contou.

ARTIGO

Prostíbulos/zonas mais próximas da região Central. É um fenômeno natural?


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Dalton Andrade
Historiador

Sete Lagoas foi uma cidade ferroviária, com massa trabalhadora assalariada, pelo menos desde 1910 (a inauguração da ferrovia foi em 1896). A conexão entre o Rio de Janeiro e Salvador, se dá em 1950, em 1948 é inaugurada a estação em Monte Azul, e desta à Contenda, no sul da Bahia, acontece em 1950. A estação de Contenda já existia desde 1928. O trânsito ao Nordeste se dava por Pirapora (estação inaugurada em 1910) e o Rio São Francisco. O êxodo rural aumenta com a ferrovia, e a dinâmica urbana ao longo dos trilhos, com hotéis, restaurantes, concentração operária, teve em Sete Lagoas significativa atração.

Há notícias de cabarés em toda a pequena cidade, aos poucos se concentram na Boa Vista e na região do Progresso, lugares da linha férrea, e com a chegada do asfalto no final dos anos 1950, o meretrício se estende por toda a nova passagem, do Progresso ao Eldorado, com a região do Progresso novamente favorecida.

Até os anos 1960 o costume impedia que as mulheres de família ficassem nas ruas após às 9 da noite, mais ou menos, e com a rua “deserta”, os homens costumavam passear de mãos dadas com as belle de jours. O bar e restaurante Central, onde é o posto de gasolina na Antônio Olinto, e o bar Sete Lagoas, à sua frente, na Lassance Cunha, tinham espaço para dança e quartos para as uniões carnais.

Houve cabarés que marcaram época: o Mangueira, na esquina de Goiás com Avenida Santana, no auge da extração de cristal na 2ª Guerra Mundial, as casas no entorno eram alugadas pelas moças, até muito tempo depois, costumava aparecer um apaixonado atrás de sua amante. O Chessman, famosíssimo, propriedade do lendário Epifânio, na travessia da linha no Progresso. A Pretinha, a Dora, o Km2 na rua Equador, icônicos. Os dois Querosenes na rua Randolfo Simões, das duas mulheres de José Evaristo, Judith Conceição Braga, o Querosene 1, do final da 2ª Guerra, na subida à direita, depois com Araci Alves Costa, em frente. O Bar Cristal, onde é o posto de gasolina de frente ao Cemitério Santa Luzia, no reduto-mor da malandragem lacustre. O Barril, de frente a Autosete, na junção de Inhaúma com Olavo Bilac, no Pito. Na saída para o na Olavo Bilac, o Diquinho, luz vermelha de última categoria. Mais à frente, também há registro de uma zona antiga, próximo onde é hoje o shopping, onde há indícios de um ilustre frequentador, o Rei do Mato.

Mesmo não sendo alvo de um estudo mais aprofundado (o Mestre Saúva estuda o tema), a luz vermelha é uma rica história, não é mais o símbolo mais, a coisa hoje é mais discreta, se é quem podemos falar isso, e diante da crise econômica duradoura, há uma profusão de casas no Centro da cidade (na Policena Mascarenhas, na Cel. Américo, na Souza Viana (o Rei da Noite), na rua Pedro Luiz, na Rua Amazonas) além de outros pontos de prostituição, como na rua Santa Juliana, na ponte do JK, além da permanência da imbatível rua Equador.

O ressurgimento delas no centro histórico me parece ser um fenômeno natural, normalmente as grandes cidades como Rio de Janeiro e Belo Horizonte oferecem esses atrativos, como zonas de baixo meretrício, de alta rotatividade, para a classe trabalhadora. Não sei se é o caso da Sete Lagoas dos anos 2020, o centro da cidade é pequeno e ativo, os aluguéis não devem ser baratos, há muita concorrência, inclusive dos sites eletrônicos, vamos ver como se comportam, se há público.

Normalmente os “puteiros” se dão em lugares decadentes, é fruto de crise social, de casas antigas e grandes hotéis sem proveito econômico, mas em si não é uma coisa decadente, mas moderna, de centros capazes de se verem livres dos aspectos morais e religiosos, dominantes em lugares pequenos. Isso representa, sob essa perspectiva, uma melhora no aspecto cultural da cidade, e embora seja uma indústria de exploração da miséria humana, faz parte do espetáculo das boas cidades, indicadores de sua boemia e vida noturna.

O que diz a lei sobre a profissão e os prostíbulos

 

Desde 2002, a prostituição é uma profissão reconhecida pelo Ministério do Trabalho e permitida para pessoas a partir dos 18 anos. Profissionais do sexo podem recolher contribuições previdenciárias e garantir direitos comuns a todos os trabalhadores, como aposentadoria e auxílio-doença.

 

Em seu site, o Ministério do Trabalho informa ainda que, como profissional de sexo o valor que deve ser recolhido para a previdência social é de 20% sobre a renda. Sem declarar a profissão pode-se recolher 11%, o que garante quase todos os direitos previdenciários, a exceção a aposentadoria por tempo de serviço e auxilio doença por moléstia que não permita continuar exercendo a profissão mais antiga do mundo.

Larissa Mascotte, Delegada da Polícia Civil de MG – titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher de Belo Horizonte/MG, afirma em artigo publicado no site jus.com.br, que “a Lei 12.015/2009 retirou as ‘casas de prostituição ou lugar destinado a encontros para fim libidinoso’ do tipo penal, substituindo-as por ‘estabelecimento em que ocorra a exploração sexual’”.

“Configura-se o crime quando ocorre a prática de sexo sem liberdade de escolha, e ainda, sob ameaça ou violência, em nítida violação a dignidade sexual da pessoa (sujeito passivo do delito)”, explicou a delegada, que é pós-graduada em Direito Processual pela PUC Minas.

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