O legado que deixamos no mundo virtual

Ana Flávia Soares, Advogada.

Esses dias, uma cliente me perguntou o que fazer com a conta do Instagram do filho falecido. A dor
dela estava ali, visível, acompanhada de uma pergunta que, tempos atrás, ninguém precisaria fazer: como lidar com o legado digital de quem já partiu? Essa experiência me fez refletir sobre como a presença online se tornou uma extensão profunda das nossas vidas e identidades — e como precisamos nos preparar para encarar isso, tanto na vida quanto no direito. Todos nós acumulamos mídias digitais, livros, músicas, milhas aéreas, pontos no cartão de crédito, assinaturas, dados na nuvem, jogos, redes sociais… Tudo isso, em algum momento, pode se transformar em uma herança digital. Mas quem herda esses “bens”? Quem decide o que será preservado e o que será apagado? A herança digital é esse conjunto de bens que existem apenas no formato eletrônico e carregam valor sentimental, financeiro, ou mesmo histórico para quem fica. Esse é um tema incipiente na nossa legislação. Nosso Código Civil, por exemplo, foi criado em uma época em que não havia previsão ou preocupação com esse tipo de bem. Atualmente, a ausência de regulamentação específica deixa um vácuo que causa incertezas tanto para herdeiros quanto para empresas que controlam as plataformas digitais. Sendo assim, cabe a nós refletirmos sobre nossa própria presença digital. Planejar o que deixamos online é uma forma de proteger quem amamos, evitando burocracias e decisões difíceis em momentos de luto. Aqueles que desejam organizar sua herança digital, por enquanto, podem deixar instruções específicas em testamentos e contratos, e buscar
orientação jurídica para que esses bens sejam tratados conforme a sua vontade. Essa reflexão sobre a herança digital, ainda tão nova e nebulosa, nos leva a perceber que o direito não é apenas uma disciplina técnica; ele é, antes de tudo, uma resposta humana às transformações que moldam nossa sociedade. E o mundo digital, por mais intangível que pareça, já é parte inseparável de nossas vidas. Então, que cuidemos desse espaço com o mesmo carinho e atenção que dedicamos ao mundo físico.