A NOSSA HISTÓRIA: A Cadeia (II)

Por Amauri Artimos

“Assassina, sim. O direito à vida é dado a todos, criminosos ou não, e ninguém pode tirá-lo impunemente. Ela, entretanto, atira o indivíduo ao cárcere e lá o deixa, apenas indigitado delinquente, sem a mais simples higiene, em meio de elementos deletérios de sua saúde, entregue ao vício e à maior corrupção dos seus sentimentos. E quando seja o preso sentenciado, ainda assim todos os meios lhe deviam ser proporcionados para que a sua saúde se mantivesse a fim de poder ele voltar ao meio de sua família e ao meio de seus pares. Assassina, sim. Ao detido, que muitas vezes é um criminoso de ocasião, vítima de uma paixão, sem instintos maus, perversos, ela abre as portas da prisão, como se o fizesse para um criminoso incorrigível, e o trata da mesma maneira que a este, sem o mínimo cuidado à sua saúde, à sua vida, fazendo da prisão um túmulo que escancara as faces para o prisioneiro. Não. É preciso dizer que a prisão seja a casa dos vivos, que lá se observem as regras de higiene, ao menos, as principais para a conservação da saúde, de modo a respeitar-se o direito de vida. 

Com relação à cadeia existente nesta cidade, é indispensável que o governo do Estado tome sérias providências, mandando construir uma nova com as condições higiênicas precisas. Há alguns anos passados, foi marcado na rua Dr. Pena um lugar para a edificação da nova cadeia por ordem do então governo do Estado, a pedido do Cel. Theophilo Marques Ferreira, cuja memória veneramos. Mas foi esse o único ato praticado pelo governo que, para esse fim, aqui mandou o sempre lembrado Dr. Josaphat Bello. Faça-se, pois, agora, o que se tentou fazer ontem, julgando-se uma medida necessária. Devemos considerar que não é só para os presos que poderá advir benefício com a construção da nova cadeia, mas também para os que trabalham na Câmara e na sala do júri, bem como para os que moram nas proximidades da prisão. No edifício, onde está a cadeia, acham-se na parte da frente a biblioteca municipal, a secretaria e a sala da Câmara e, por sobre o cárcere, está a sala do júri, onde os juízes dão audiência e trabalham no desempenho de seus cargos. Em consequência da imundície que há na cadeia por falta de asseio, bem como por não haver água suficiente para as descargas da privada e limpeza dos canos do esgoto, desprende-se grande fedentina que se espalha pelos referidos cômodos da Câmara. Os esgotos da cadeia vão ter a um córrego que passa a pequena distância dela e, como a limpeza do encanamento não é bem feita e o córrego seca, é patente o perigo que correm os moradores vizinhos da prisão quanto à saúde. 

Demonstrado fica, à saciedade, ser urgente a construção da nova cadeia. É o apelo que faz  ao benemérito governo do Estado para que ponha em prática a medida, há alguns anos iniciada, bem como à municipalidade, para que interceda aos altos poderes públicos. Mas não basta isso. Cuidando do corpo, da saúde dos presos, não podemos esquecer a vida de suas almas. Da lei a dureza, da pena a proporção ao crime não bastam para que o criminoso se regenere, se reabilite e possa voltar à sociedade, capaz de lhe prestar serviços. Os meses ou anos que os artigos do Código Penal estabelecem como castigo obedecem a um cálculo matemático cujo critério se desconhece e deixam esquecida por completo a pessoa do delinquente sobre o qual devem recair a atenção e o estudo dos juízes para que se obtenha da pena o efeito moral da regeneração do culpado. Deve-se à alma doente levar ao menos o tratamento do ensino religioso, uma vez que se lhe não possa dar também o tratamento pedagógico. Ao espírito em trevas, faça-se a luz da religião e que o padre ensine aos prisioneiros qual o caminho da virtude, do bem e onde o erro, o vício, a desonra. Se todos os presos sentiriam a benéfica influência do ensinamento do sacerdote, a maior parte deles experimentaria uma modificação do seu sentir. Seria de vantagem essa medida e que nos ouçam os sacerdotes que dirigem essa freguesia, pregando ao menos uma vez por mês aos desgraçados os santos princípios do Cristo” (A Rua, Semanário Noticioso, 07-03-1915. A Cadeia: A. S.). Foto: procissão chegando à Paróquia de Santo Antônio (Fonte: Retalhos do Passado).