Sete Lagoas sediou um importante debate sobre a saúde mental e políticas de inclusão. Na oportunidade, foi reverenciado o nome do psicólogo sete-lagoano, Marcus Vinícius “Matraga”, uma referência nacional da luta antimanicomial, brutalmente assassinado no dia quatro de fevereiro de 2016, em Pirajuia/Bahia, em circunstâncias que até hoje não esclarecidas. Sua morte representou uma perda irreparável para a Psicologia brasileira e para os movimentos sociais.

Em 2026, completam-se dez anos de seu assassinato, e o Conselho Federal de Psicologia mantém seu apelo por justiça, reafirmando o legado de Marcus Vinicius para uma Psicologia coletiva e comprometida com a proteção de direitos. Ele é filho de lideranças importantes, da política e da educação de Sete Lagoas e região, Antônio Valace e Ísis de Oliveira, irmão do vereador Caio Valace, autor da iniciativa da realização dessa Audiência Pública na cidade.
A Câmara Municipal de Sete Lagoas transformou-se em um local de reflexão e compromisso com a saúde mental. A Audiência Pública sobre a Luta Antimanicomial, proposta pelo vereador Caio Valace, reuniu, no dia 14 de maio, uma diversidade de vozes – profissionais da saúde e assistência social, representantes de entidades, usuários do sistema de saúde mental e seus familiares – com o objetivo claro de discutir os avanços e os urgentes desafios na efetivação de políticas públicas de inclusão.

O encontro, marcado por falas que revelaram a realidade da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) local, reforçou a necessidade imperativa de se construir uma política intersetorial robusta. A premissa é clara: saúde, assistência social, educação e outras áreas precisam convergir para um único propósito: garantir dignidade, cuidado e cidadania plena a quem enfrenta o sofrimento psíquico.
O vereador Caio Valace ressaltou a dimensão humanitária da causa. “A luta antimanicomial não é uma bandeira de uma categoria profissional. Ela é uma luta humanitária. É sobre enxergar o outro com dignidade, romper com práticas de exclusão e construir pontes de cuidado”, afirmou. Caio comoveu o público ao relembrar a trajetória de seu irmão, o psicólogo Marcus Vinicius de Oliveira Silva, mais conhecido como Marcus Matraga.
O sete-lagoano que o Brasil precisa conhecer
A homenagem a Marcus Matraga foi um reconhecimento à figura de um verdadeiro protagonista na luta antimanicomial no Brasil, nascido em Sete Lagoas. Mestre em Saúde Pública pela UFBA e Doutor em Saúde Coletiva pela UERJ, Marcus Matraga foi professor do Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e dedicou sua vida a uma abordagem humanizada e inclusiva para o tratamento de pessoas com sofrimento psíquico.

Sua influência e seu legado são imensos. Marcus atuou intensamente na criação da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia (CFP) em 1997, integrou o próprio Conselho em diversas gestões (inclusive como presidente) e foi um dos idealizadores das Comissões de Direitos Humanos, do Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP) e dos Congressos Nacionais da Psicologia.
Marcus Matraga também foi um dos nomes que ajudou a escrever o texto da Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001, conhecida como a Lei Paulo Delgado, que representa um marco na reforma psiquiátrica brasileira, redirecionando o tratamento da saúde mental do modelo manicomial para a abordagem comunitária. Sua contribuição foi fundamental para a criação e consolidação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) como a alternativa humanizada e efetiva aos hospitais psiquiátricos.
“A presença de Marcus no Brasil na luta antimanicomial foi fundamental, foi essencial, porque ele imprimiu nessa luta um caráter humanizador, um caráter solidário e um caráter cultural”, ressaltou a psicóloga Ana Bock, ex-presidente do Conselho Federal de Psicologia, durante a audiência. Chico Viana e Martha Elizabeth, também psicólogos e referências na área, corroboraram a importância de Matraga.
Além de sua atuação na saúde mental, Marcus Matraga também foi um defensor incansável de direitos humanos, realizando a mediação de conflitos agrários e defendendo populações vulneráveis, especialmente no Recôncavo Baiano.
Panorama e desafios em Sete Lagoas
A audiência serviu como um espaço para a Prefeitura de Sete Lagoas apresentar um panorama da saúde mental no município. Isabella Oliveira, superintendente da Rede Ambulatorial Especializada e Referência Técnica em Saúde Mental, detalhou a estrutura existente: Sete Lagoas conta com três CAPS (Infantojuvenil, Adulto e Álcool e Drogas), equipes de psiquiatras e psicólogos em diversas unidades, além de 64 Estratégias de Saúde da Família (ESFs) com apoio de equipes do NASF.
A Secretária Municipal de Assistência Social, Cidinha Canabrava, complementou a apresentação com os equipamentos da assistência social, como CRAS, CREAS, Centro POP e Casa de Passagem. Ambos destacaram os gargalos, como a necessidade urgente de capacitação das equipes de referência e a efetivação do trabalho em rede, unindo saúde e educação. O Secretário de Saúde, Jean Barrado, reconheceu os desafios e a necessidade de avançar ainda mais.
Ao final, ficou claro o compromisso de todos os participantes em fortalecer a luta por políticas públicas de saúde mental que realmente atendam às necessidades da população. Entre outros pontos, a audiência pública teve como encaminhamentos a discussão sobre a regulamentação do CESMT e a ampliação do atendimento dentro da Rede de Atenção Psicossocial.