Com ingressos cada vez mais caros e arenas modernas voltadas ao consumo, o futebol brasileiro vive um processo de elitização que transforma o torcedor apaixonado em mero espectador
Por José Marcio Souza
Correspondente 7diasnews.com.br
O futebol, paixão nacional e símbolo da cultura popular brasileira, está passando por uma transformação silenciosa, mas profunda. As novas arenas esportivas, erguidas para oferecer conforto e sofisticação, têm afastado justamente quem sempre deu vida e cor às arquibancadas: o torcedor comum.


A chamada “gourmetização” do futebol tem como marca principal a exclusão de grande parte da população. Os ingressos, antes acessíveis, hoje alcançam valores que limitam a presença das classes populares, historicamente responsáveis pela atmosfera vibrante dos estádios. O espetáculo, que sempre pertenceu ao povo, se transforma em um evento restrito a quem pode pagar caro para assistir.
De acordo com matéria do jornal O Globo, o custo total para um torcedor comum (ingresso + transporte + alimentação) para ir a um estádio subiu 361% em 10 anos, enquanto a inflação no mesmo período foi de cerca de 85%. Isso mostra que o aumento é muito acima da elevação geral de preços.
Atmosfera vibrante dá lugar ao silêncio das arenas
Nesse novo cenário, as arenas modernas oferecem segurança, serviços exclusivos e experiências de entretenimento completas, mas enfraquecem a essência do futebol como manifestação cultural e coletiva.
O perfil do público também se altera: o torcedor tradicional, que fazia do estádio um palco de cantos, batuques e emoção, é substituído por um espectador mais passivo, que vai ao campo para assistir, mas não necessariamente para vibrar e apoiar seu time com intensidade.
Frequentemente ouvimos torcedores reclamando da frieza dos estádios: “Essa torcida não vibra”; “essa torcida não canta”; “essa torcida não empurra o time”. Todas essas reclamações são reflexo do processo de elitização do futebol.
“O jogo se torna um produto”, alerta sociólogo
Para o sociólogo do esporte, Ronaldo Helal, professor da UERJ e referência em estudos sobre futebol, esse fenômeno representa um risco à identidade cultural do esporte.
“Quando o torcedor popular deixa de ir ao estádio, perde-se parte do elemento emocional e coletivo que sempre caracterizou o futebol brasileiro. O jogo se torna um produto, e não mais uma experiência social compartilhada”, afirma Helal.
O risco de perder a alma do futebol brasileiro
Críticos desse processo alertam que, ao afastar a massa popular, o futebol perde parte de sua identidade. O jogo, que sempre foi do povo, corre o risco de se tornar apenas mais um produto de consumo, como tantos outros, perdendo o caráter único de paixão compartilhada nas arquibancadas.
A discussão sobre a “gourmetização” do futebol é, portanto, mais do que uma questão de preço de ingressos ou infraestrutura. Trata-se de refletir sobre o futuro do esporte mais popular do Brasil: continuará sendo um patrimônio cultural coletivo ou se transformará em um espetáculo exclusivo das elites?
A modernização e o atual modelo de gestão do futebol estão afastando o torcedor comum dos estádios?
Sim
Frequentei o antigo Mineirão e uma das coisas que mais me emocionavam era a chegada dos torcedores do Galo ao estádio: parecia um formigueiro que misturava de pessoas simples a pé, até carros importados, subindo a Abraão Caram e a Carlos Luz, com bandeiras, bandanas e gritos de “Galo!”, em uma tocante união de classes e cores por um mesmo ideal: o clube. Hoje, a Arena do Galo, com os preços lá praticados, trocou-se o povão preto e branco, que sempre foi a alma e a fonte de vibração da Massa, por uma torcida pálida de smartphones caros.

Harley Coqueiro
Advogado
Sim
Eu me lembro com saudade de quando comecei a ir ao Mineirão com meu pai assistir aos jogos do Cruzeiro. Na geral, o futebol era realmente do povo, todos tinham espaço, independente da condição financeira. Hoje, com as arenas modernas, tudo mudou: os ingressos ficaram caros e o futebol se tornou elitizado. Sinto saudades daquele tempo, onde todos tinham lugar e a paixão falava mais alto.

Aroldo Costa Melo (Aroldinho)
Prefeito de Paraopeba
Sim
A mudança é notável e grande. Antigamente. ingressos baratos, quem não podia ia na geral mais barata ainda. Hoje, com s arenas modernas, voltadas para o entretenimento e o futebol sendo administrado por outros órgãos, mudou muito, tudo bem mais caro e o verdadeiro torcedor raiz longe do espetáculo. Tudo mudou, o próprio futebol está mais mecânico. Já não se vê mais aquele futebol jogado com lindas jogadas e dribles, não existe mais. Os verdadeiros torcedores, aqueles que até radinho levavam para estádios, hoje só vem futebol do sofá de casa.

João Carlos
Zagueiro, ex-atleta profissional
Sim
De fato, os ingressos estão caros em praticamente todos os estádios do Brasil. Além deles, alimentos, bebidas e estacionamentos também tiveram aumentos expressivos. Para as classes menos favorecidas, tornou-se cada vez mais difícil frequentar os jogos. Isso representa um grande equívoco, pois o futebol cresceu e se popularizou justamente nas regiões mais simples deste país. Não podemos excluir nem esquecer as nossas origens.
Por outro lado, o modelo hiperinflacionado do futebol brasileiro não permite que os clubes que mais investem pratiquem preços populares sem comprometer suas receitas e, consequentemente, sua competitividade. É o velho dilema do “cobertor curto”.
Para minimizar os impactos, entendo que deveria ser regulamentada uma política de precificação comum a todos os clubes, garantindo que ao menos um percentual de ingressos fosse comercializado a preços mais acessíveis. Seria uma forma concreta de reduzir a exclusão dos torcedores de menor poder aquisitivo.
Mas é certo que, caso uma medida assim fosse instituída, enfrentaria forte resistência de muitos setores.

Álvaro Vilaça
Jornalista
Sim
O torcedor sente muita falta dessa essência do futebol antigo. Antes havia o tradicional tropeirão, a geral mais popular, a galera reunida, a torcida vibrante. Ainda existe algo parecido, mas não é igual ao que já foi. Essa mudança acabou afastando parte do público, principalmente por causa da questão dos ingressos.
Hoje, quem é sócio-torcedor tem mais facilidade, mas nem todo mundo pode pagar por isso. Assim, aquele torcedor comum, que não é sócio, acaba perdendo espaço e identidade, já que muitas vezes não consegue frequentar mais os estádios. Isso tira um pouco do charme e da tradição do futebol.
Claro que a atmosfera nos estádios continua sendo diferente, mas muitos sentem falta do antigo Mineirão, das gerais, do convívio mais próximo e até da mistura das torcidas, que hoje é bem limitada. Esses fatores reduzem a essência dos clássicos e a experiência do torcedor raiz.
É evidente que precisamos acompanhar a modernidade e a evolução do esporte, mas não podemos permitir que isso apague a história, a cultura e a relação afetiva que sempre existiu entre torcedor e estádio. No fundo, todos sentimos falta desse futebol de antes.

Kenner Tarabal
Narrador Esportivo / Radialista





