Nossa História

A NOSSA HISTÓRIA: Arte se faz do interior para o interior!

Após receber este belo texto de Paulinho do Boi, grande ator e professor de teatro em nossa cidade, o artigo de hoje, como não poderia deixar de ser, vai assinado por ele:

13/04/24 - 08:00

Por Amauri da Matta

"No último dia 05, fui plateia de um show musical. Como espectador, deixei-me levar pela energia dos artistas que subiram ao palco. Cheguei atrasado, ansioso, passos largos na tentativa de não perder nem um minuto. Fui surpreendido, já na portaria, aflito para entrar, pela minha sempre professora Iole. Abraço afetuoso, sorriso largo e um respiro acompanhado da palavra saudade. Minha ansiedade desmoronou, como se o colo de mãe me acalentasse.

Subi as escadas do auditório, em passos comedidos, para não fazer barulho. Ao abrir lentamente as portas do espaço, alguém veio atender-me,  abrindo-as com expressão de boas-vindas, complementando o sentimento despertado pela recepção anterior. Aplausos para as meninas cantoras. Disfarçando o meu atraso, com um sorriso amarelo, aplaudi como se tivesse visto a apresentação. Não deu certo, Cacau, minha amiga, com seu turbante colorido, abriu o sorriso. Foi mais um abraço de boas-vindas. Percebi o ar-condicionado ligado (novinho), acalentando o calor abrasivo da noite e o suor de minha correria. Na plateia, olhares atentos dos meus amigos de infância, Márcia e Thomaz, para os meninos cantores, pois o filho iria cantar. Márcia me viu e prontificou-se a ceder-me uma cadeira: acenei com a cabeça que iria ficar em pé. No auditório lotado, uma dupla de PCD’S cuidando da técnica (Evânio, radialista, e seu filho Efraim), aparelhos telefônicos filmando, fotos e silêncio. O maestro, ex-menino cantor, posicionou-se em frente ao coro. Roupa social preta, elegante e ao mesmo tempo clownesco, gravata estampada com as teclas de piano. Digno da sutileza de Cléber de Castro, no fundo um palhaço que faz do mundo um picadeiro de seu circo musical interior, em favor do estado de graça coletivo. Os meninos cantores arrancaram aplausos festivos em arranjos musicais de passarinhos no meio da canção (Bem-te-vi e sabiá). Tudo genial! Já desarmado, entreguei-me à  música por completo.


 Aílton de Castro foi chamado para o próximo número. Caminhado simples até o palco, violão na mão, banquinho no centro, um sorriso leve. Simplicidade calçada pela melodia de “Se eu quiser falar com Deus”, de Gilberto Gil. Desabei: alma invadida pela ternura e profundidade da interpretação. Sem dar tempo de suspirar, com olhos marejados, fomos surpreendidos pela filha do Aílton. Com a mesma leveza e simplicidade do pai, misturada com a dinâmica e positividade de Cláudia, sua mãe, Lelê (Helena Rosa) cantou, sustentando a energia desprendida pela música anterior. Parecia que Aílton olhava para filha dizendo “calma, eu estou aqui e vai dar tudo certo” e, ao mesmo tempo, o olhar da filha dizia em resposta “pai te amo e adoro cantar ao seu lado”. Fiquei sufocado pela apresentação da dupla e quando consegui respirar já estava em transe. Aos poucos, outros números musicais vieram e pude sentir a emoção de Luciana Almeida, fazendo vibrar as cordas vocais em uma “Força Estranha” que nos engoliu, transportando a plateia para a sua dimensão emotiva. Um portal de sonhos lúcidos, possíveis, acompanhado pelo piano de Claudisson Luzia, que brilhou em "New York, New York". Simone Costa cantou o amor, na imensidão poética da entrega que tal sentimento nos exige. Simples e direta, a melodia nos atravessou como uma flecha. Elegantemente, Simone dedicou a canção ao seu amor. Bruno Batista cantou  a sua poesia em favor da caminhada alicerçada em rocha. Como se a arte e sua subjetividade atravessassem tempos e temporais difíceis, sem tombar. Gláucia Coutinho nos lembrou o Amor de Índio (Beto Guedes), colocando-nos como parte da natureza que nos circunda.

Naturalmente, assim, já extasiados, nocauteados pela condição poética daquela noite, ainda contemplamos Agnaldo Vieira, cirurgicamente romântico, tratando de nossos corações ao som de piano (Hino ao Amor). Kátia e Jambert (Très Joli) nos interromperam cantando “Chega de Saudade” (Tom Jobim e Vinícius de Moraes), dando-nos coragem para falar o que estávamos sentindo, com liberdade, sem medo. Franco L’Abbate subiu ao palco para agradecer e cantar duas canções italianas que falam de amor, ao som da flauta de Geraldinho Magela (Caldo da Lua), e o violino de Fernanda Matos. Ao piano, Cleber de Castro, esboçou o significado de perseverança e continuidade, chamando todos os artistas da noite ao palco. Não ouso escrever sobre o Amauri, apresentador da noite: ele simplesmente transborda esperança como um valor inegociável. Gente simples, que faz arte para o mundo interior. Sinceramente, saí do Coral Dom Silveiro com o interior de minha alma carregado de sonhos e esperança. Ali é um pedacinho do Brasil possível, de uma Minas mais Gerais. Arte se faz do interior para o interior... "(Paulinho do Boi, Quintal do Boi da Manta, Abril de 2024). Muito obrigado, Paulinho! 
 

Amauri da Matta

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